
(Fonte foto: Il foglio. Papa Francesco celebra la messa di chiusura del Sinodo sull’Amazzonia – LaPresse)
Introdução
Após um sólido caminho sinodal de aproximadamente dois anos, é chegada a hora de conhecer e compartilhar as reflexões feitas pelos padres sinodais através do documento final tornado público no último sábado, dia 26 de outubro.
Há que se recordar que um sínodo não é uma estrutura deliberativa, mas propositiva. É com este espírito hermenêutico de diálogo que o documento deve ser recebido, lido e suas conclusões acolhidas.
O que pretendemos com este breve artigo é realizar uma pequena abordagem, de caráter sobretudo ilustrativo e informativo, sobre o caminho reflexivo contido no interior do documento. Agradeço muitíssimo ao meu confrade, padre Sinodal, Vice-Provincial Redentorista de Manaus, Pe. Amarildo da Silva, C.Ss.R., pelas riquíssimas informações e opiniões que me ajudaram a compreender os objetivos almejados pelo documento.
1. A Estrutura do documento, suas influências diretas e eclesiologia
Uma breve análise da estrutura do documento nos revela um texto breve, contendo apenas 120 números, dividido em cinco capítulos mais introdução e conclusão: I: Amazônia: da escuta à Conversão Integral; II: Novos Caminhos de Conversão Pastoral; III: Novos Caminhos de Conversão Cultural; IV: Novos Caminhos de Conversão Ecológica; V: Novos Caminhos de Conversão Sinodal.
Do magistério recente colhemos a influência direta mais clara: a Exortação Apostólica Laudato Sí de Papa Francisco. Baseando-se em uma sana teologia da Criação, expressa no conceito de ecologia integral[i], busca-se expressar o aspecto de comunhão de toda a realidade criada, em detrimento de visões parciais e superficiais, utilitaristas e tecnocráticas.
Partindo do paradigma comunhão, a ecologia integral nos oferece a possibilidade de uma rica redescoberta dos termos “eclesiologia”, “evangelização” e “pastoral” em prisma muito mais amplo de significados. Para além de uma Igreja fechada sobre si mesma, a universalidade da Salvação em Cristo se encontra com a diversidade dos povos, atingindo e buscando redenção para todos os aspectos da vida humana (política, economia, trabalho etc.)[ii].
Assim, a eclesiologia sobressalente é aquela baseada em uma “Igreja em saída”[iii], que não se contenta simplesmente com a beleza das paredes de seus templos, mas que parte em missão ao encontro do ser humano, inspirada na figura do Bom Pastor. Não se trata de uma “Igreja elitizada”[iv], mas sim que “suja suas mãos” com a realidade.
Desta eclesiologia missionária e dialogal surgem belas imagens a expressar o rosto da Igreja: samaritana (cuidado), misericordiosa, solidária, dialogal, inculturada, migrante, jovem, ao mesmo tempo vivendo na complexidade urbana e rural[v].
A palavra-chave proposta pelo documento é “conversão”: uma mudança interior de mentalidade que se expressa em um agir conforme convicções profundas e enraizadas[vi].
2.Da escuta à conversão integral
Um importante passo na construção das reflexões sinodais e do documento final foi, sem dúvidas, o processo anterior de escuta que vem recolhido no interior do primeiro capítulo. O documento reconhece a riqueza do modo de vida dos povos amazônicos em sua integração com o ambiente que os circunda[vii]. Desta comunhão surge uma cultura do “bem viver” que se desdobra em posturas éticas de um “bem fazer”[viii].
O processo de escuta também evidencia os sinais presentes de uma cultura de morte, denominada no documento de “Clamor da Terra e o Gritos dos Pobres”[ix]. Dentre tais sinais se destacam a depreciação da vida que vai desde o uso utilitarista dos recursos naturais até o tráfico humano e a tutela dos menores em situação de exploração trabalhista e sexual.
Reconhecendo o importante papel exercido pela Igreja em solo amazônico, principalmente na profecia de seus mártires, homens e mulheres que, a causa de sua fé, deram suas vidas pela Vida em Abundância, o capítulo termina com uma chamada à conversão integral, nascida do encontro com Jesus Cristo, onde os discípulos-missionários do Reino se comprometem com uma relação harmônica e de cuidado com a obra criadora de Deus[x].
3.Conversão Pastoral, Cultural, Ecológica e Sinodal
Seguindo no esquema de exposição das luzes e sombras reconhecidas na realidade amazônica, o documento reflete e estabelece nos capítulos que se seguem algumas propostas a serem encaminhadas ao Santo Padre. De maneira muito sintética, podemos assim resumir:
A. Conversão Pastoral: a criação de uma rede itinerante que envolva pastores e leigos na tarefa de atuar e traçar linhas de transformação da realidade no discernimento em conjunto, superando uma “pastoral da visita” em vistas de uma “pastoral da permanência”[xi].
B. Conversão cultural: buscar a inculturação, fomentando principalmente iniciativas educativas bilíngues que visem a valorização dos idiomas e da cultura dos povos originários[xii].
C. Conversão Ecológica: reafirma a opção preferencial pelos mais pobres e abandonados da região, buscando iniciativas que visem proteger o bioma de iniciativas neo-colonializantes e utilitaristas, bem como a criação de um observatório socioambiental pastoral para a defesa da vida[xiii]. Propõe definir o chamado “pecado ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, contra a comunidade e o ambiente”[xiv].
D. Conversão Sinodal: Sendo o ponto mais longo no âmbito das propostas, se subdivide em: ministerialidade eclesial e sinodalidade eclesial.
- Ministerialidade Eclesial[xv]: retomando o impulso contido em Lumen Gentium[xvi] que chama a uma Igreja Povo de Deus ministerial: a) o documento reafirma o lugar de protagonismo dos leigos; b) a importância da vida consagrada como sinal profético; c) valoriza e reconhece a presença e o papel desenvolvido pelas mulheres pedindo a possibilidade de se levar adiante a discussão sobre o diaconato feminino com a abertura de espaço para a partilha das experiências amazônicas; d) reafirma o valor do diaconato permanente; e) afirma importância da inculturação e do respeito às culturas sendo disciplina para os novos presbíteros da região; f) reafirma o lugar central da Eucaristia na constituição das comunidades e o direito destas de acesso ao sacramento, abrindo a possibilidade de se estabelecer critérios e disposições para uma possível futura ordenação dos viri probati entre diáconos permanentes, segundo o espírito de LG 26.
- Sinodalidade Eclesial[xvii]: Propõe a criação de estruturas sinodais, ou seja, de diálogo transversal sobre a realidade amazônica, bem como a consideração da possibilidade de um rito litúrgico específico para a região.
Conclusão
Sabendo que alguns assuntos, todos ainda em vias de discussão e amadurecimento, serão certamente enfatizados e descontextualizados pela grande mídia e por alguns grupos particulares, deve-se fazer atenção para não cair na tentação de uma leitura parcial e reducionista do documento. Elementos como a sinodalidade, a comunhão, a inculturação e o cuidado dos pobres e abandonados e da vida em todas as suas instâncias constituem, segundo nossa primeira interpretação, o núcleo fundamental do documento.
Em sede moral, destaca-se o tom profético de denúncia contra uma visão utilitarista portadora de morte, com a proposição de uma nova nomenclatura de “pecado ecológico” contra Deus, Criador e Redentor de toda a realidade, e o próximo. Há que se ressaltar ainda a profunda conexão ético-moral a ser por nós aprendida dos povos originários da região entre a sustentabilidade de uma vida integrada na comunhão e o agir pessoal e comunitário.
Embora aplicado a uma realidade particular, como é próprio da dinâmica de um sínodo extraordinário, as reflexões nos oferecem fortes pontos de percepção que podem ser aplicados a diversas outras realidades mundiais como, por exemplo, a poluição dos mares, o fenômeno da fome em diversas regiões, o monopólio de grandes empresas que destroem culturas particulares, as omissões por parte de Estados e de realidades eclesiásticas diante de algumas situações particulares etc.
p. Maikel Dalbem, CSsR
[i] O referido conceito se encontra desenvolvido sobre diversos aspectos em diversos números de Laudato Sí, dentre os quais destacamos: 49, 111, 139, 142 e 155.
[ii] É rico recordar o axioma patrístico utilizado sobretudo pelos Santos Gregório de Nissa e Gregório Nazianzo no combate às heresias cristológicas dos primeiros séculos cristãos: “o que não foi assumido pelo Verbo, não foi redimido”.
[iii] FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. São Paulo: Paulus/Loyola, 2014.
[iv] Papa Francisco no encerramento do Sínodo: “Porque não têm a coragem de estar com o mundo, pensam que estão com Deus. Porque não têm a coragem de se comprometer com a vida e com as opções do homem, pensam lutar por Deus. Porque não amam a ninguém, creem que amam a Deus”.
[v] DSP, 21-38.
[vi] Por exemplo: 2 Cor 5, 17: “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”.
[vii] Documento final do Sínodo para a região Panamazônica, nn. 6-9 (De agora em diante chamado DSP).
[viii] DSP, 9.
[ix] DSP, 11-14.
[x] DSP, 18 e LS 217.
[xi] DSP, 39-40.
[xii] DSP, 62-64.
[xiii] DSP, 81-85.
[xiv] DSP, 82.
[xv] DSP, 93-111
[xvi] LG 31
[xvii] DSP, 112-119
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